Uma auditoria federal ao fundo para a reconstrução do Iraque, criado há seis anos, pelo Conselho de Segurança da ONU, deixa o Pentágono em maus lençóis. E põe em evidência o fracasso da intervenção militar, em 2003, que não passou de uma invasão premeditada e com fins diferentes dos que foram proclamados, como testemunhou uma vez mais Hans Blix, um dos maiores opositores à guerra do Iraque.
“Tenho uma opinião sólida de que a Guerra do Iraque foi ilegal. Existem casos em que, mesmo com margem de dúvida, pode ser possível fazer guerra. Mas o conflito no Iraque não foi um destes casos”, afirmou o ex-chefe dos inspectores de armas da ONU, na terça-feira, durante o depoimento ao inquérito Chilcot, que investiga as operações militares britânicas no Iraque.
Mas o que disse Hans Blix não é novidade. Como também não o é a constatação veiculada, há uma semana, pela ex-chefe do serviço secreto britânico, o MI5, Eliza Manninngham-Buller, de que a invasão do Iraque aumentou “substancialmente” o risco de ataques terroristas, ao “radicalizar toda uma geração de jovens” que viram a guerra como um “ataque ao Islão.
O que é novo são as conclusões a que chegou a auditoria da Inspecção-Geral para a Reconstrução do Iraque, organismo federal norte-americano, ao fundo de nove mil milhões de dólares criado pelo Conselho das Nações Unidas para reerguer o país pós Saddam Hussein.
Os auditores chegaram à conclusão que o Departamento de Defesa norte-americano não é capaz de explicar como é que gastou 96% do dinheiro recebido, proveniente da exploração do petróleo e do gás natural, de bens iraquianos congelados antes da invasão e de fundos que tinham sobrado do programa «petróleo por comida», do tempo de Saddam.
Há 8.700 milhões de dólares dos 9 mil milhões que o Pentágono recebeu para ajudar a reconstruir o país que ninguém sabe para onde foram, porque não há documentação que os reporte.
E o que diz o Pentágono? Diz que isto não significa que as verbas tenham necessariamente desaparecido. E que pode ter acontecido que os registos tenham sido arquivados, sem que ninguém saiba onde.
Pode, sim.
Mas também pode ter acontecido que o dinheiro dos iraquianos (não porque lhes tenha sido dado, mas porque era deles) tenha ido parar aos bolsos de generais, ou titulares de outras patentes.
Pode e ninguém vai saber, porque seguir-lhe o rasto é muito difícil, como já fez saber o Pentágono.
Os senhores da figura geométrica militar mais conhecida do mundo alegam que as tentativas de justificar o dinheiro poderão exigir grande esforço de pesquisa nos arquivos. E em matéria de pesquisa os serviços militares norte-americanos não se dão a grandes esforços como se viu pelas conclusões erradas dos relatórios que justificaram a invasão ao Iraque.
Para além de argumentos falsos – a existência de armas de destruição massiva – a invasão do Iraque foi feita de forma atabalhoada e sem qualquer preparação.
Os militares, na maioria jovens, desconheciam por completo o país que iam “ajudar”, manifestaram total desrespeito pela cultura do Iraque, dando um “novo ímpeto para as pessoas se engajarem no terrorismo”, como constata a ex-chefe do MI5: “Nós demos a (Osama) bin Laden a sua jihad (guerra santa)”.
Com a invasão do Iraque, os norte-americanos e os britânicos conseguiram destruir o país, deter Saddam Hussein e executá-lo, controlar os poços de petróleo e deixar o Iraque numa deriva governativa, mais permeável aos interesses dos EUA e de Israel na região.
Mas a guerra fez mais.
Destruiu todo o “edifício cultural pré-existente, que sustentava um estado nacionalista laico independente”, incluindo os vestígios da antiga Mesopotâmia, berço da primeira civilização do mundo (a Suméria), saqueando os seus museus, bibliotecas e todos os arquivos existentes no país a fim de “instaurar um domínio a longo prazo”, como evidencia James Petras, professor de sociologia na Universidade de Binghamton, Nova Iorque, autor de uma vasta obra sobre a América Latina e o Médio Oriente, no artigo «A guerra dos EUA contra o Iraque: A destruição de uma civilização».
Quem não se lembra das imagens de saque dos museus de Bagdad, quando as forças norte-americanas chegaram à capital do Iraque, perante a passividade dos militares?
As imagens da reconstrução não passam. Sabemos agora porquê.
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