sexta-feira, 2 de julho de 2010

Uma história de Paulo Jorge


Não encontrei melhor forma para assinalar a partida de Paulo Teixeira Jorge, nacionalista angolano que foi ontem a enterrar, do que publicar excertos do texto «A Balalaica Branca» de Jaime Azulay, correspondente do Jornal de Angola em Benguela, porque as histórias contam os homens.
A «Balalaica Branca» é um diálogo entre dois chefes militares, durante um tiroteio à cidade de Benguela, na altura em que Paulo Jorge era governador da província.
Pena que o deputado, que desempenhava actualmente as funções de secretário do MPLA para as Relações Exteriores, não tenha deixado as suas memórias, como “prometeu que em breve faria”, porque as lembranças que “iria deixar eram fundamentais para perceber o que foi a diplomacia da fase de gestação e debutante da República Popular de Angola”, assinala Fernando Pereira, no Novo Jornal.
“Com Paulo Jorge desapareceu uma parte do espólio, de um tempo em que a afirmação de valores de solidariedade, de justiça social e igualitarismo faziam parte do léxico, e de alguma prática das nossas convicções pessoais e políticas”, justifica o cronista.
“Paulo Jorge morreu a 26 de Junho, sabendo-se que sem grandes recursos, e com ele fica o exemplo de um homem fundamental nos alicerces do País e indispensável no colocar de tijolos da edificação de uma nova geografia política na África Austral”.

A balalaica branca

“Boquiabertos, vimos o Velho retornar ao palácio, bem zangado com alguns camaradas. Negara redondamente abandonar a cidade sacudida pelo matraquear das armas. Trazia desajeitadamente uma “Kalash” na mão, com a bandoleira muito comprida quase a arrastar pelo chão. Ainda tropeça na cinta, pensamos. O camarada Paulo Jorge fez treino militar na Argélia, camaradas, sossegou um kota do tempo da guerrilha que tinha vindo ajudar a organizar os rapazes de “jeans” e “t-shirts” apresentados para participarem na defesa da cidade.
O tiroteio intenso assemelhava-se ao ruído dos pingos de uma bátega de água sobre uma cobertura de zinco das nossas casas antigas.
(…)
Tinham começado os confrontos armados pós-eleitorais em 1992. Era um sábado de Novembro. As acácias estavam floridas de um vermelho vivo, como sempre acontece nos finais do ano. Em 92 as acácias lembraram que a pátria se defende com o sangue rubro dos heróis”.
(…)
“Qualquer que fosse o avião que chegasse, os dirigentes da província tinham decidido que o camarada Paulo Jorge deveria ser evacuado para lugar mais seguro, dada a sua avançada idade”.
(…)
No momento em que o camarada Paulo Jorge tomou conhecimento que os seus colaboradores tinham decidido evacuá-lo da cidade, vimos um leão rugir com bravura, por dentro da balalaica branca: -“Não se atrevam a fazer-me isso camarada, o meu lugar é no palácio ao lado do povo que lá está!”. De facto o povo estava lá à procura de protecção. Mulheres, crianças, pessoas de idade avançada e alguns doentes amontoavam-se nas varandas, nas salas e noutros aposentos do palácio.
(…)
Nessas idas e vindas os grupos encontraram o Velho no palácio, com a sua inconfundível balalaica branca e uma arma na mão a organizar o povo. Da mesma forma como o fogo das queimadas se espalha no mato, a notícia correu célere entre os que defendiam a cidade:
-“ O Velho afinal não fugiu! Lhe vimos com a balalaica branca dele lá no palácio. É ele mesmo, jura!!”

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