terça-feira, 30 de novembro de 2010

Vida difícil das zungueiras


Uma zungueira que vendia junto ao mercado de S. Paulo, em Luanda, foi há uma semana baleada por um agente da Polícia Nacional.
As colegas - mulheres que todos os dias palmilham dezenas de quilómetros para sustentar os filhos, maridos e outros mais que dependem delas - afirmam que Domingas Gomes, de 25 anos, foi atingida mortalmente a tiro, depois de um agente lhe desferir golpes na cabeça com um pau.
A Polícia Nacional diz que não. Que a zungueira “não corre perigo de vida”. O “tiro foi no pé”.
Entre o que uns e outros dizem não há margem para fugir a uma triste realidade.
A polícia e os fiscais gostam de "dar corrida nas zungueiras".
É vê-los a perseguir as mulheres com a bacia à cabeça e, muitas vezes, filhos às costas.
É vê-los a levarem o produto do seu sustento, depois de confiscado à má-fé e para, na maior parte dos casos, usufruto próprio.
É vê-los de bastão no ar e pistola em riste atrás de mulheres indefesas.
Na memória dos luandenses ainda está fresca a morte, por atropelamento, de uma zungueira e do filho que carregava quando fugia de um polícia no S. Paulo.
As zungueiras fazem parte da paisagem angolana.
Por elas passa grande parte da vida económica do país.
Num país com postos de trabalho em número insuficiente, as mulheres criam, graças à zunga, gerações de filhos.
Alimentam e dão instrução a milhões de bocas.
Pelas bacias que carregam passa a vida de muitas pessoas.
Não há angolano - homem do povo, polícia ou ministro - que não tenha o ADN de uma zungueira.
Sangue de zungueira a correr-lhe pelas veias.
Suor de zungueira a escorrer-lhe pela tez.
Por isso, como escreveu a jornalista Susana Mendes, disparar contra elas é atirar contra o povo.
Mas é mais fácil, observa.
Bem mais fácil do que andar atrás dos “bandidos”.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Meninas-mulher (crónica publicada no Novo Jornal)

O Presidente do Irão introduziu uma nova questão na sua agenda política. Mahmoud Ahmadinejad quer que os iranianos casem mais cedo e propôs a antecipação da idade mínima dos matrimónios para os 16 anos, no caso das mulheres, e para os 19, no caso dos homens.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Conjugar mal... (crónica publicada no Novo Jornal)

Centenas de lisboetas concentraram-se, há uma semana, nas várias ruas circundantes ao Saldanha para se despedir do «Senhor do Adeus». Durante mais de duas horas, imitaram o gesto que tornou João Paulo Pereira conhecido.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"Problemas técnicos" na TPA


A Televisão Pública de Angola (TPA) confronta-se, com alguma frequência, com "problemas técnicos" que tem de resolver.
O último lesado pelos "problemas técnicos" da estação pública de Angola foi o jornalista Reginaldo Silva.
No último programa «Semana em Actualidade», transmitido aos domingos, o também dirigente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos criticou o MPLA por na atribuição de condecorações aos nacionalistas, no 11 de Novembro (data de proclamação da independência), se limitar a figuras do partido do poder e não ter condecorado ninguém ligado à UNITA ou ao FNLA.
Estava Reginaldo Silva a explicar que esta atitude em nada ajuda à reconciliação nacional quando, ups, a emissão foi abaixo.
Por "problemas técnicos".
A TPA ficou às escuras e Reginaldo Silva perdeu a voz.
A televisão voltou à antena, quando o comentador já estava longe.
Os técnicos que avaliarem os "problemas técnicos" da TPA devem ter em conta que estes cortes na emissão só se dão quando alguém põe em causa o M, ou seja, o partido no poder.
Com esta informação poderão com maior facilidade detectar onde está o problema.
E resolvê-lo.
Para que os angolanos possam, sem interrupções, ver o que se passa no seu país.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O diplomata que sacrificou a carreira (reportagem publicada no Novo Jornal)




O Brasil foi o primeiro país a reconhecer Angola, no dia 11 de Novembro de 1975. Na passagem dos 35 anos sobre a Proclamação da República de Angola, é bom recordar os momentos que antecederam uma das decisões mais difíceis da diplomacia brasileira. E olhar para o exemplo de um diplomata, Ovidio de Andrade Melo, que se manteve fiel a princípios e que, por causa, disso sacrificou a carreira. Um testemunho, na primeira pessoa, publicado numa edição especial do Novo Jornal, comemorativa do 11 de Novembro.

sábado, 13 de novembro de 2010

Mistério da criança abandonada

Em Luanda há uma criança, de 12 anos, que diz ter sido abandonada por um casal português que a adoptou e que, há dois meses, deambula pela cidade sem que se saiba com exactidão quem é e de onde vem.
Tudo nesta história recambolesca está no condicional.
O miúdo, que afirma chamar-se Fernandes Alexandre Teixeira, não tem documentos.
Diz que nasceu em Angola.
Que foi adoptado por um casal português, ela médica pediatra no Hospital de Santo António, no Porto; ele superintendente da polícia.
Que vivia no Porto, onde foi criado desde pequeno.
Que esteve, durante dois anos, no Internato Luís de Camões, em Ovar.
Que um padrinho o trouxe, ao engano, para Angola.
Que foi abandonado num centro comercial, depois de visitar uma "velha", alegadamente sua avó, mas que desmente qualquer vínculo com o miúdo.
As informações dadas pelo adolescente, que evidencia uma inteligência e desenvoltura anormal para a idade, não batem certo com a realidade.
A mãe/médica não trabalha onde ele diz trabalhar.
No internato não há registo da passagem do menino, que fala um português escorreito, sem o sotaque característico dos angolanos.
A morada que deu como sendo a sua e do casal não existe.
O número de telemóvel da mãe vai parar a um homem de Portimão.
O consulado português não consegue encontrar um fio que permita começar a desenrolar o novelo.
A rapaz foi acolhido num lar de Luanda, ligado ao Instituto Nacional de Apoio à Criança, mas por duas vezes fugiu.
A polícia também já lhe deu acolhimento para dormir, na esquadra.
Uma senhora de Luanda vai-lhe dando apoio e alimentação e, nos intervalos do trabalho, mantém contactos com instituições para encontrar o rasto à família do adolescente.
No meio de tanta discrepância sobressai o receio de se estar perante uma monumental mentira.
Mas a pergunta mantém-se: quem é este rapaz?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Os números do amigável Palancas Negras/Benfica




Os números do jogo entre a selecção angolana, os Palancas Negras, e o Benfica não páram de espantar.
Para além do pagamento de um milhão e oitocentos mil euros (o equivalente a dois milhões e meio de dólares) ao Benfica, para se deslocar a Luanda e disputar o jogo comemorativo dos 35 anos da independência de Angola, o preço cobrado pelos camarotes no Estádio 11 de Novembro atingiu a linda soma de mil dólares.
Talvez tenha sido pelo elevado valor dos bilhetes que poucas horas antes do início da partida, o movimento na procura desse sinais de estádio meio vazio.
A Federação Angolana de Futebol acabou por franquear as portas.
O estádio encheu.
E o angolanos gostaram da partida, apesar do Benfica ter batido a selecção nacional por dois golos a zero.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Massacre no Sahara Ocidental





As imagens que nos chegam do acampamento de Gdeim Izik confirmam que há um massacre em curso no Sahara Ocidental, por mais que Marrocos desminta o contrário.
As fotografias do jornal espanhol El Pais demonstram, com clareza, o tipo de intervenção ordenado por Rabat e devem servir de pretexto para que a ONU dê, finalmente, a oportunidade aos saharauis de decidirem, em referendo, o seu destino: se querem a autodeterminação, como aconteceu em Timor Leste, ou manterem-se sobre dominação de Marrocos, que ocupou a região quando Espanha abandonou, em 1975, o Sahara Ocidental.
O regresso a casa de Aminatu Haidar, presidente do Colectivo de Direitos Humanos do Sahara Ocidental, no final de Dezembro de 2009, depois de mais de 30 dias em greve de fome, em Lanzarote, foi um dos temas do Paralelos da primeira edição de 2010 (que pode ler clicando no Ler mais).
De lá para cá, a atitude de Marrocos mudou. Para pior, como se vê.

Evitar o massacre (crónica publicada no Novo Jornal)*

Se a Europa precisava de um pretexto para intervir na questão do Sahara Ocidental já a tem.
Se Espanha e França, o primeiro ex-potência colonial do Sahara Ocidental e o segundo de Marrocos, “esperavam por mortos” para condenar o regime de Mohammed VI “já os há”.

Um passeio por Angola



Um pouco de Angola, pela voz de Matias Damásio.

35 anos de Angola

No dia 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto proclamou a independência de Angola, um desejo que perpassa muitos dos seus versos.


Criar

Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com os olhos secos
Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a floresta impúdica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com os olhos secos
Criar criar
gargalhadas sobre o escárneo da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiro
força no esfrangalhado das portas violentadas
firmeza no vermelho sangue da insegurança
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar paz com os olhos secos
Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas simuladas
criar
criar amor com os olhos secos.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A marcha barrada

A violência doméstica é um fenómeno generalizado e alarmante em Angola.
As principais vítimas são as mulheres e as crianças.
Fartas de esperar pela aprovação do ante-projecto sobre a Lei da Violência Doméstica, há mais de dois anos na gaveta, a Plataforma da Mulher em Acção agendou uma marcha para hoje, entre a Praça 1º de Maio - Largo da Independência, terminando em frente à Assembleia Nacional, onde o grupo apresentaria uma petição.
A marcha não chegou ao seu destino.
Foi barrada por efectivos do Comando Municipal das Ingombotas da Polícia Nacional, sob pretexto de que não tinham sido notificados sobre a iniciativa.
A aprovação do ante-projecto sobre a Lei da Violência Doméstica também foi barrada.
Só não se sabe porquê, nem por quem.
Ou, pior, não se sabe se o ante-projecto foi travado por interesse de alguém.
Pela premência, nada justifica que ainda não tenha sido aprovado.

domingo, 7 de novembro de 2010

Haja cabeça (os Tuneza, de novo)



Em dia de clássico no Dragão, entre o Porto e o Benfica, dei comigo a pensar que o futebol é um mundo à parte, eivado de alguma esquizofrenia e nonsense, patente quer na forma como os adeptos mais fervorosos vivem o jogo, quer nos debates que envolvem a modalidade.
Lembrei-me então de um debate dos tuneza sobre o primeiro jogo do CAN 2010 (Campeonato Africano das Nações), disputado em Angola, que opôs a equipa da casa (os Palancas Negras) à selecção do Mali.
Aos 79 minutos, Angola ganhava por quatro a zero, mas um golo do Mali, apontado por Seydou Keita, deu início à reviravolta. O jogo acabou empatado, para infelicidade dos adeptos angolanos que viram a vitória, em grande, perto.
Como nota final para os que não acompanharam o jogo, Flávio marcou dois golos de cabeça para os Palancas Negras.




* O segundo vídeo é um brinde, que paraboliza os debates desportivos, para conhecerem o quinteto humorístico, constituído pelos actores Daniel Vilola Francisco, Orlando Rodrigues, Gilmário Vemba, Cesalty Paulo e José Chieta, na altura num programa da TPA (Televisão Pública de Angola). Hoje, eles podem ser vistos na Zimbo, o primeiro canal televisivo privado de Angola.

sábado, 6 de novembro de 2010

Uma lufada de ar

Em 2003, José Saramago disse ao Jornal do Centro, de Viseu, uma frase que deu título à entrevista com o único Nobel da Literatura português: “Portugal já não se deixa ler. Só conseguimos soletrá-lo…”
Hoje nem sequer conseguimos ver e ouvir as notícias que vêm de lá.
Felizmente, há trabalhos que fogem ao fatalismo vigente e que valem a pena.

Ora, ouçam http://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Vida/Interior.aspx?content_id=1704289

Parabéns a Nuno Amaral e a João Félix Pereira.

O país de Antónia



Manecas Costa tornou-se nos últimos anos num dos embaixadores de um país e de um povo que nada têm a ver com a visão que o mundo tem deles por causa da instabilidade militar e política vivida na Guiné-Bissau.
O país de Antónia é feito de gente generosa, que trabalha, que reparte o pouco que tem e que distribui o seu sorriso, seja em Bissau ou em Caxeu (primeira capital da Guiné), seja em Portugal ou Angola.
Manecas Costa é representante de um povo sereno, simpático mas não servil, que deixa uma marca positiva por onde passa.
É sempre bom ouvir uma parte desse país que guardo no coração.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Simplesmente fabuloso



O encontro entre Narf (Galiza) e Manecas Costa (Guiné Bissau) resume-se numa palavra: fabuloso.

Deslocação milionária do Benfica

O Benfica vem a Luanda, no dia 10 de Novembro, véspera do 35º aniversário da Independência de Angola, disputar um jogo com a selecção nacional, as Palancas Negras, por 2 milhões e meio de dólares.
Isso mesmo.
Dois milhões e meio de dólares, ou seja um milhão e 800 mil euros, é quanto o Benfica cobra pela deslocação a sul.
Ninguém questiona o valor do plantel da Luz, nem o incómodo que sete horas de viagem para cá e sete horas de viagem para lá provoca nos seus jogadores, entre jogos importantes das competições portuguesas e europeias, mas lá que é um absurdo, isso é.
A não ser que, como escreve Gustavo Costa, no Novo Jornal (pode ler a crónica clicando no Ler mais), o clube de Luís Filipe Vieira se tenha transformado no Sport Angola e Benfica...

Humor a sério (crónica publicada no Novo Jornal)

Vai percorrer o país num carro funerário para sepultar a corrupção.
José Manuel Coelho é o mais recente candidato às eleições presidenciais portuguesas.O deputado do Partido da Nova Democracia (PND) na Assembleia Legislativa da Madeira, que se tornou célebre pela forma insólita como exerce a política, apresentou a candidatura assente num slogan lapidar: “Basta de pastéis, Coelho a Belém”. Porque, explica o candidato, o “povo já está farto dos pastéis que lhe têm indisposto a vida, dos cinzentões e situacionistas”.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A montra dos criminosos

Fotografia do jornal «O País»

Em Angola há uma prática que já devia ter sido abolida há muito tempo.
Quando a Polícia Nacional faz detenções chama os jornalistas e põe os alegados criminosos a assumirem publicamente a autoria dos crimes de que são acusados e a justificá-los.
Alinhados como numa montra e, por vezes, com folhas A4 coladas ao peito com a informação do crime cometido, a Polícia Nacional atropela todos os direitos dos acusados. E o principal deles é o direito à presunção de inocência, porque esta exibição pública é feita sem condenação em tribunal ou culpa judicialmente formada.
Felizmente que os orgãos de comunicação social, mais sensibilizados para os direitos dos cidadãos, começam a colocar sombra sobre os rostos dos visados e a preservar a sua identidade visual.
Numa altura em que se assistem a inúmeras detenções de titulares e ex-titulares de cargos públicos, por desvio de dinheiro e abuso de poder, entre outros crimes, não percebo porque não se generaliza a prática.
É que não há criminosos de primeira, nem de segunda. Há, simplesmente, criminosos.
Mas se o critério tende para a gravidade do crime, os segundos deviam ser exibidos publicamente e não os primeiros.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A morte (no dia dos finados)

Os angolanos convivem frequentemente com a morte.
Ela está sempre presente e a rondar.
É arbitrária.
Leva velhos, jovens, crianças (muitas)
A guerra, primeiro; as doenças, os acidentes e o álcool, agora, cobiçam a vida.
E a morte está sempre por perto.
No início estranhei a facilidade com que os angolanos lidam com a morte.
Fazem o óbito.
E avançam.
Já perdi pessoas muito importantes e sei o que custou reagir e, custa ainda, aceitar.
Hoje percebo que os angolanos não têm menos desprezo por quem parte.
É pragmatismo.
Porque é preciso seguir em frente.



“(…)
Nada mudou para quem delega a glória.
Nada é tão grave que nos impeça os corpos.
Estamos aqui, sentados, sabendo que o conforto
é só cá dentro e a casa é cheia de alegria e festa
e a carne é fresca porque viva e alheia
à carne longe, retalhada e fria.
Somos de fato, em nosso apuro e com o nosso dote,
uma versão apenas indecisa
do nó que nos habita bem no centro.
Rapazes, raparigas,
que cada um empunhe a flor oculta
para inseri-la entre pernadas jovens.

A morte longe enquanto nos arder
à flor da boca
esta atenção pela florações dos outros.”

(Excerto do poema "Memória da guerra em julho" que pode ler na íntegra clicando no "Ler mais")

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Cor de chocolate

A minha filha de três anos (faltam dois meses e meio para fazer quatro) está na fase das pinturas.
Com o seu estojo de canetas de feltro, passa horas a dar cor a desenhos de vários livros.
Hoje, ao final da tarde, apareceu com o antebraço pintado de castanho.
Ralhei-lhe e disse-lhe que não voltasse a fazer o mesmo.
"Pintar é no papel, não na pele", expliquei.
À hora do jantar, a miúda vira-se para mim e diz: "Mãe, sabes porque é que pintei o braço?"
"Não", respondi.
"Queria ficar cor de chocolate".
As crianças dão-nos cada lição.
Basta estar atento.