quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Evitar o massacre (crónica publicada no Novo Jornal)*

Se a Europa precisava de um pretexto para intervir na questão do Sahara Ocidental já a tem.
Se Espanha e França, o primeiro ex-potência colonial do Sahara Ocidental e o segundo de Marrocos, “esperavam por mortos” para condenar o regime de Mohammed VI “já os há”.
A destruição pelas forças marroquinas do acampamento de Gdeim Izik, perto de El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, causando a morte a, pelo menos, 11 pessoas e ferimentos em 723 não pode manter a comunidade internacional impávida e serena. Muito menos a Europa, que tem responsabilidades históricas no conflito.
Desde há um mês, 20 mil saharauis reuniam-se no acampamento contra a ocupação marroquina e a violação de direitos humanos, antecipando a terceira ronda de negociações promovidas pela ONU, entre Marrocos e a Frente Polisário, em Nova Iorque.
Na noite anterior às negociações, Rabat avançou sobre o acampamento. Não é coincidência. É o um sinal claro de que não pretende negociar.
Estavam ali acampados sobretudo “jovens sem trabalho, marginalizados” que encontraram aquela forma de protesto contra a situação em que se encontram e contra a “privação de direitos que enfrentam”, explicou Aminatu Haidar, presidente do Colectivo de Direitos Humanos do Sahara Ocidental e que se tornou um dos rostos da luta saharaui quando Marrocos a impediu de entrar no Sahara e a expulsou para a ilha de Lanzarote, onde permaneceu em greve de fome, até ser autorizada a regressar à sua terra.
Para além dos mortos (Marrocos já admite nove, mas foi a conta-gotas) e feridos, há 159 desaparecidos. Outras 163 pessoas foram detidas. Mas ninguém exige explicações, nem responsabilidades.
Da ONU e da ronda de negociações pouco transpira.
A União Europeia lamentou terça-feira, em Bruxelas, os incidentes mortais no acampamento e manifestou estar “muito preocupada” com a violência registada. Catherine Ashton, a responsável pela Política Externa dos 27 nem se deu ao trabalho de falar aos jornalistas. Enviou a sua porta-voz, Maja Kocijancic, a uma conferência de imprensa, onde a UE informou que está a seguir de “muito perto” – não disse como nem quão perto – e que estava a recolher toda a informação disponível sobre os acontecimentos. “Pedimos às partes para ter calma e evitar” mais actos de violência”, acrescentou a porta-voz.
A responsável pela Política Externa da UE admitira, numa audição na segunda-feira no Parlamento Europeu a dificuldade da Europa em lidar com o problema. Porque existem “pontos de vista diferentes entre os 27 sobre a forma como deve ser resolvido o conflito do Sahara Ocidental. Não discriminou, no entanto, a posição de cada um. Para a opinião pública saber quem são os coniventes com a ocupação marroquina, que se mantém desde 1975, quando Espanha abandonou o território, e com a forma violenta como essa ocupação é exercida sobre um povo que, apenas, reclama o direito à autodeterminação.
Em 1991, a Frente Polisário cessou a guerra contra Rabat. Optou pela via negocial. A população aguarda, desde aí, pela realização de um referendo sobre o seu estatuto, hipótese defendida e decidida pela ONU, mas que tarda em ser aplicada.
Espanha e França, já se sabe, estão com Marrocos. E Rabat não abdica da soberania, apenas admite a autonomia, mantendo-se como dona e senhora das riquezas naturais (uma enorme frente de mar e o fosfato) do Sahara Ocidental.
Concordo com o que diz Aminatu numa entrevista ao jornal português «Público». A União Europeia “deve estar com vergonha”. Há pouco menos de um ano deu a Marrocos um estatuto avançado, quando o país “viola desta forma os direitos humanos”. E tem previsto um acordo de pescas, em 2011, mas “não pode fazê-lo”, porque o povo Saharaui, em cujas águas decorre a maioria da pesca, não foi consultado, nem beneficia dele.
Se os dois países “esperavam por mortos, já há mortos”, afirmou segunda-feira, em Portugal, Aminatu.
Tudo se passou longe dos olhares da comunidade internacional. Marrocos bloqueou a entrada de jornalistas. “Já tinham decidido que iam intervir, por isso, cercaram o território. Preparavam um massacre e não queriam testemunhos”, frisou a activista.
E é para prevenir um massacre, como aconteceu em Timor Leste que Espanha e França, aliados tradicionais de Marrocos, devem pressionar Rabat. E fazerem o que fez Portugal, que lutou para que os timorenses pudessem decidir, em referendo, o seu destino. E poderem ser donos da sua própria terra.

 
*O Paralelos é publicado um dia antes, porque a edição do Novo Jornal desta semana com um dia de antecedência para coincidir com a data de comemoração do 11 de Novembro, que assinala a Independência de Angola

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