sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Meninas-mulher (crónica publicada no Novo Jornal)

O Presidente do Irão introduziu uma nova questão na sua agenda política. Mahmoud Ahmadinejad quer que os iranianos casem mais cedo e propôs a antecipação da idade mínima dos matrimónios para os 16 anos, no caso das mulheres, e para os 19, no caso dos homens.


Com esta medida Ahmadinejad mata dois coelhos com uma só cajadada: aumenta a natalidade no país e combate a “expansão da imoralidade entre os jovens”.
Estando casados, os jovens procriam e não cedem à tentação do pecado.
O Presidente iraniano tem já uma meta em vista. Com uma população estimada em 75 milhões de habitantes, Mahmoud quer ver os números duplicar. E garante que o Irão tem capacidade para alimentar 150 milhões de bocas.
Os críticos já se ergueram e alegam que políticas deste género apenas vão aumentar o desemprego, com uma taxa que se cifra hoje nos 9%.
Ahmadinejad, não se pode negar, está a conseguir fazer história, arriscando-se a abafar o papel dos ayatolas, os patrocinadores da revolução que, em 1979, transformou os territórios da antiga Pérsia numa república islâmica.
Após as taxas recorde de nascimentos no início da revolução islâmica, o Irão implementou um programa de planeamento familiar, nos anos 1990, que reduziu drasticamente o número de partos. Em 2004, um ano antes de Ahmadinejad tomar posse como Presidente, o Parlamento iraniano elevou de nove para 15 anos a idade legalmente aceitável para as mulheres casarem. Os casamentos precoces começaram a ser sancionados legal e socialmente e os iranianos fixaram a idade das uniões nos 24, para as mulheres, e nos 26 para os rapazes. Mas, caso a meta de 150 milhões de iranianos não seja atingida, é natural que o Presidente iraniano reveja os cálculos e baixe a idade dos casamentos novamente para os nove anos e ponha as meninas a ter filhos assim que atingem a puberdade.
A tentativa de Ahmadinejad de antecipar a idade mínima dos casamentos surge em contracorrente com o que acontece na vizinha Arábia Saudita, reino também de inspiração islâmica.
Depois do caso de uma menina de 12 anos, obrigada a casar com um homem de 80 anos, de quem pediu o divórcio, as autoridades sauditas estão a promover novas disposições legais para evitar casamentos precoces e ponderam fixar os 18 anos como idade mínima, tal como vigora em grande parte dos países muçulmanos, embora os casamentos se verifiquem na mesma, de forma ilegal.
Na Indonésia, um imã (autoridade religiosa do Islão) foi condenado, esta semana, em tribunal por ter casado com uma rapariga de 12 anos, quando a lei fixa a idade mínima nos 16 anos.
Na Índia, a nova Constituição subiu a idade mínima nas mulheres para os 18 anos e nos homens para os 21, mas as estimativas apontam para a realização de 200 mil casamentos por ano entre casais menores de 18 anos.
Os casamentos precoces são uma das maiores ameaças às crianças e futuras mulheres. Para além de não estarem física e psicologicamente preparadas para terem filhos, as meninas não têm oportunidade de se formarem academicamente e ficam sujeitas a um maior controlo e restrições às suas liberdades por parte dos maridos.
Na Arábia Saudita, não foi a primeira vez que uma menor tão nova foi obrigada a casar. Mas a determinação da criança, que casou aos 11 anos com um primo do seu pai, depois do pagamento de um dote de 85 mil riais (perto de 17 mil euros), obrigou o reino da família Al-Saud a reagir.
Para o avanço do debate contribuíram as declarações do xeque Abdullah al-Manie. Em Janeiro, aquele importante religioso da Arábia Saudita afirmou que um casamento com 14 séculos não pode justificar a existência de noivas crianças nos dias que correm. Isto porque muitos se refugiam na sharia (lei islâmica, em vigor no reino), em particular na doutrina ortodoxa wahhabita, para justificar o casamento infantil, alegando que Maomé casou com uma menina de nove anos.
O rumo que a discussão na Arábia Saudita tomou é tão significativo que basta dizer que ainda há dois anos, em 2008, um tribunal saudita decidiu que uma menina de oito anos só podia pedir o divórcio quando chegasse à puberdade. A decisão gerou um coro de críticas que ajudou a dar fôlego à discussão iniciada este ano.
Uma primeira medida foi já adoptada. O Ministério da Justiça saudita está a distribuir novos formulários de casamento, nos quais se deve informar a idade da noiva, um requisito que antes não existia, para acautelar abusos. E evitar que as meninas se transformem em mulheres cedo demais.

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