sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Deslocação milionária do Benfica

O Benfica vem a Luanda, no dia 10 de Novembro, véspera do 35º aniversário da Independência de Angola, disputar um jogo com a selecção nacional, as Palancas Negras, por 2 milhões e meio de dólares.
Isso mesmo.
Dois milhões e meio de dólares, ou seja um milhão e 800 mil euros, é quanto o Benfica cobra pela deslocação a sul.
Ninguém questiona o valor do plantel da Luz, nem o incómodo que sete horas de viagem para cá e sete horas de viagem para lá provoca nos seus jogadores, entre jogos importantes das competições portuguesas e europeias, mas lá que é um absurdo, isso é.
A não ser que, como escreve Gustavo Costa, no Novo Jornal (pode ler a crónica clicando no Ler mais), o clube de Luís Filipe Vieira se tenha transformado no Sport Angola e Benfica...

Sport Angola e Benfica


Vem de longe a fama de Angola se ter convertido, no passado, num exímio criador e exportador de talentos desportivos. Figuras lendárias como Fernando Peyroteo (futebol) e Alfredo Melão (atletismo) integram a galeria dos grandes vultos do desporto português. No “quadro de honra” destacam-se ainda outras estrelas como Zé Águas, Yaúca, Ruy Mingas, Fonseca e Costa, Santana, Jacinto João, Conceição, Zé Maria, Dinis, Jordão, Bernardo Manuel, José Carlos Guimarães, Jesus, Jean Jacques e outros desportistas de dimensão singular.
Estes desportistas souberam projectar, como poucos, o desporto angolano além fronteiras. Protagonizando memoráveis jornadas, eles encerram o símbolo de uma época de ouro para Angola no domínio desportivo com o surgimento e a glória de agremiações que eram filiais dalguns clubes da antiga potência colonizadora. A afirmação reluzente dessas estrelas apagou-se, porém, completamente nos últimos anos.
Ou seja, de exportador, Angola passou a ser um importador em massa de atletas oriundos dos mais diversos países e, essa importação, longe de insuflar qualidade, tem estado a revelar-se num sorvedouro de fundos públicos que pouca ou nenhuma mais valia tem trazido ao nosso desporto. O mesmo se passa com a importação de treinadores que, em muitos casos, têm revelado uma mais do que duvidosa capacidade técnico-profissional. A importação, sem critérios, de jogadores e treinadores sem perfil, está também a transformar Angola no mercado da “sucata” desportiva em África.
Ou seja, os jogadores em segunda mão que franqueiam o nosso parque desportivo ilustram bem a pobreza do futebol exibido pelas nossas equipas, que decididamente se divorciaram da formação. Nestas condições, é claro que não podemos esperar muito delas e, por tabela, dificilmente teremos a possibilidade de constituir uma selecção nacional sólida e capaz de o dignificar. Em tempo de reflexão desportiva, não fica mal concluir que temos a pirâmide futebolística completamente invertida. Não fica mal concluir que o nosso futebol é demasiado ruim para suportar os astronómicos gastos que o Estado fez e promete continuar a fazer na construção de estádios que o futebol que se pratica em Angola não merece… Não fica mal concluir que a inverdade desportiva, a falta de ética, o suborno e a corrupção são, hoje por hoje, os principais emblemas dos dirigentes dos nossos clubes. Não fica mal concluir que, a uma velocidade supersónica, andamos a iludir a massa associativa dos clubes. Não fica mal reconhecer que o modelo organizativo em que assenta o dirigismo ao nível da Federação Angolana de Futebol está completamente falido.
Não fica mal reconhecer que se ainda quisermos salvar o nosso futebol dos escombros a que está remetido é imperativo e inadiável oxigená-lo com novas ideias e estratégias. Não fica mal reconhecer que o actual elenco federativo está esgotado! Não vale a pena insistir. Não vale a pena tentar travar o vento com as mãos…
E não vale a pena insistir porquê? Porque a promoção do talento, a defesa do profissionalismo no dirigismo federativo e o incentivo à formação estão a ser asfixiados por uma criminosa cultura de esbanjamento de recursos financeiros, que ao nível do nosso futebol, estão a dar do nosso país uma imagem de pouca ou nenhuma seriedade.
Basta observar os rocambolescos casos que têm envolvido a liquidação dos ordenados dos treinadores de futebol ou o pagamento das luvas e dos prémios de jogo devidos aos atletas, quer ao nível da selecção, quer ao nível dos clubes.
Protagonizando apostas suicidas, a generalidade dos clubes chega ao final de cada época atolada em graves problemas de tesouraria e, sem suporte publicitário consistente, a sua estrutura de custos chega a meter medo! Na selecção o quadro não é menos assustador.
Desde Oliveira Gonçalves, passando por Manuel José até ao francês Hervé Renard, quase todos os treinadores que passaram pelos Palancas Negras envolveram-se em desinteligências com a FAF por causa do atraso no pagamento dos ordenados. Ora, nestas circunstâncias, tenho dificuldades em perceber como é que Angola se dispõe a pagar 2,5 milhões de dólares (!) ao Benfica para vir fazer um jogo ao nosso país.
Temos essa obscenidade para pagar o Benfica e não dispomos de recursos para ter entre nós por 2OO mil dólares o Ghana? Temos essa monstruosidade financeira para aloirar o Benfica e não temos dinheiro para suportar o estágio da selecção em Benguela? Só podemos estar diante da ficção que é o nosso próprio futebol. Nada tenho contra o Benfica mas tenho a certeza de que Angola também nada tem a ver com as dívidas do Benfica. O futebol é a paixão de muita gente, o Benfica também o é mas o Benfica não pode ser uma preocupação angolana ao ponto de cometermos a loucura de despendermos uma verba tão exorbitante para o clube da luz.

Com essa barbaridade financeira, verdadeiramente ofensiva até para os próprios benfiquistas angolanos, as nossas autoridades talvez não se tenham apercebido que abrem um grave precedente. Isto é, a partir de agora, nenhuma equipa do topo de Portugal – Porto ou Sporting – aceitará vir jogar ao nosso país por fasquia inferior.
E, se amanhã quisermos convidar um Real Madrid ou um Manchester United, que em condições normais não cobram mais do que 1 milhão de dólares? A menos que tenhamos chegado a conclusão de que qualquer uma dessas equipas tem uma qualidade futebolística inferior à do Benfica. A menos que tenhamos chegado à conclusão de que a cotação do Benfica no mercado é superior à do Barcelona ou do Chelsea. Dois milhões e quinhentos mil dólares para o Benfica fazer um jogo em Angola? A menos que tenhamos chegado à conclusão que a crise financeira do Benfica tem de ser aliviada através dos bolsos dos angolanos, como se Angola fosse uma filial do Benfica ou, nessa condição, se tivesse transformado em Sport Angola e Benfica... Como tenho memória fresca, não me lembro de ter visto clube algum de Portugal preocupado com as nossas crises. Mas, como diz a divisa do Benfica: “Et Pluribus Umum”: “Um por todos e todos por um”. Pode ser que estejamos todos loucos. Já não duvido mas para essa loucura, não contem comigo…

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